28/08/2014

Ventriloquismo: um mistério desafiante

Como terapeuta da fala que sou, sempre fiquei intrigado com o ventrioloquismo: mas como é que aquilo funciona? Perguntei a várias pessoas, a maioria senão todas, respondem que "a voz vem do estômago". Será que se referem à voz esofágica? E quanto a vocês, caríssimos leitores, qual é a ideia que têm acerca disto? Comentem para dar as vossas ideias. Pois então decidi procurar e, como bom "googler" que sou, comecei.

Para ser um bom ventríloquo é necessário muito treino. Ser ventríloquo é uma arte e, aliada a ela, está por exemplo a "stand-up comedy" - não faria sentido algum ver um espectáculo dos famosos José Freixo e Donaltim, sem toda aquela interacção humorística. Não é minha intenção, com este artigo, roubar, expor ou banalizar o segredo - é, sim, o interesse científico que está por detrás destas competências dificílimas de atingir.

Desmistifico o preconceito, revelando que a nada tem que ver com a voz "do estômago" ou a dita voz esofágica. Para nós, terapeutas da fala, este é um assunto muito interessante - já vão ver porquê.

Apesar do treino ter de ser muito, a explicação é relativamente simples: consiste na substituição de sons com pontos articulatórios labiais por outros semelhantes que não recorram aos lábios - pressupõe ainda a imobilidade quase total dos músculos faciais (pelo menos aos olhos dos espectadores). Leiam, por favor, novamente este último parágrafo e parem para reflectir.

Pararam? Ok. Então: pensem, por exemplo, no som bilabial /b/ - como o produzem sem usar os lábios? Sim, a resposta é essa - não produzem. Arranjam um que o substitua - esse som é o /g/. Agora vocês dizem - mas eu estou a tentar dizer uma lista de palavras com essa substituição e não o som é sempre artificial. A arte começa exactamente aqui - o actor redirecciona a atenção dos espectadores para o boneco ou fantoche - as pessoas estão ainda atentas ao conteúdo da mensagem, normalmente humorística. Imagino que cada artista desenvolva outras competências que tornem mais subtil esta substituição - mas desconheço.

Vem agora a outra parte, também ela importante. Eu, por exemplo, não tenho interesse em aprender esta arte porque nem uma anedota sei contar, quanto mais entreter e fazer rir uma plateia? É importante o improviso para interagir com a plateia, a parte cómica de cada actor... Enfim - só uma junção de ambas as partes é que fará um artista completo no que diz respeito ao ventriloquismo. É este o motivo que eu encontro para haver tão poucos.

Deixo-vos, agora, com um fantástico vídeo de José Freixo e Donaltim - vejam a capacidade que ele tem para interpretar dois papéis e interagir um com o outro.

Um exemplo internacional, talvez o mais famoso da actualidade, é o Jeff Dunham e o seu Achmed - vejam só!


Como terapeutas da fala, pensem na dificuldade que é aprender a substituir tantos sons da fala e automatizar isso tudo para usar de forma cómica em frente a uma plateia. Não vos faz lembrar uma criança com uma perturbação fonética? Hum... Será um bom exercício para nós todos fazermos e percebermos a dificuldade enorme das tarefas que pedimos a alguns dos nossos meninos.

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